quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Estelo e o desafio de Diáculo na terra de Narciso




Estelo é um vampirode 98 anos que sofre de envelhecimento precoce, é um tanto quanto antipático mas tem diversos lapsos criativos, os quais resultam em devaneios sobre diversos assuntos.
Hoje em mais um dia tedioso de férias recebi o e-mail desta criatura que andava desaparecida por um longo tempo. Ainda que o tempo não seja uma determinante na vida dele. Segue o e-mail de Estelão:

" Fiquei ali olhando para o meu reflexo na água, e diferente daquelas tantas pessoas em volta não estava paralisado, confesso que ainda me achava extremamente feio. Mas meus vizinhos estavam todos ali, olhando apaixonados por sua própria imagem. Não lhes contei mas viajei ao país de Narciso, lá o que não faltavam eram crises Narcisistas. O que realmente me chamou atenção foi o fato do país não ter um representante, um presidente, imperador, ditador ou qualquer coisa que mandasse. Não havia, todos se achavam os mais capazes de assumir uma liderança, logo não havia partido, democracia ou ditadura. Cada um de seus habitantes era um partido individual, por tanto sem força. Uma pessoa pode mudar o mundo, é claro, mas na terra de Narciso são muitas pessoas para mudar o mundo.Larguei-me do reflexo na água, era triste, afinal um vampiro com envelhecimento precoce não é a coisa mais agradável de se ficar olhando durante horas. Passei uns dez segundos ali, como dizem os jovens, só para ver de qual é, e me mandei. Como sugere o título da obra prima de Lewis Carrol parecia um país do espelho. Fui passando em meio de um monte de zumbis apaixonados por eles mesmos em frente à espelhos, água, micro-ondas ou qualquer coisa que desse reflexo. Como de costume saía estapeando as pessoas, queria mesmo era me divertir. Se naquele lugar todos ficavam parados frente à sua imagem, iria zombar deles, era o que me restava.Eis que em meio de toda aquela zombaria me surge um homem chamado Diáculo, segundo ele era um viajante, assim como eu, e me propôs um desafio. Contou-me que já passara por ali diversas vezes e viu inúmeras criaturas resistirem a tentação da terra, mas que em nunca em toda sua vivência viu alguém sair intacto do Lago de Narciso. Dizem as histórias que é a entrada do paraíso, onde tudo de mais feio contempla sua própria imagem com orgulho, não mais materialmente mas como uma criação do misterioso personagem o qual chamamos de Deus. Besteira para mim, nunca fui muito dado a mitos ainda que fosse um vampiro. Um ser detestável como eu só ficaria paralisado olhando uma imagem, se esta fosse a da própria Afrodite nua, e me chamando para a festinha. Aceitei o desafio e assim o fizemos.Caminhamos até o Lago de Narciso, e era um lugar muito bonito. Cheio de flores as quais eu não sei o nome, mas eram brancas , laranjas e de inúmeras cores, no centro um pequeno lago de águas cristalinas. Era sem dúvida uma das mais belas manifestações da natureza. O que me assustou, eu era obscuro, e pouco ligava para essas bobagens, natureza bela para mim era um pote de sucrilhos. Mas aquilo havia mexido comigo, mau sinal, mau sinal. Talvez Narciso não fosse ão ingênuo, e se aquele lago fosse mesmo um feitiço irreparável que acatasse até os mais céticos dos seres? E se Diáculo fosse um zombeteiro como eu e só quisesse me ver rendido ao pé da minha própria imagem? Eram muitas dúvidas que só seriam respondidas quando confrontasse aquele lago.Quando na beira do lago Diáculo enfim me disse que se quisesse poderia desistir e que se não o fizesse, navegaria por águas de auto-conhecimento, beleza, admiração e por fim destruição. Olhei para ele como quem olha para um perfeito imbecil e lancei meu olhar ao lago, cinco ... dez segundos só para ver de qual é novamente. Nada. Olhei para Diáculo e lhe fiz sinal de quem não havia visto nada de diferente, olhei de novo para o lago nem sequer via meu reflexo fui resmungando para meu amigo que aquilo mais parecia uma bobagem criada por ele apenas para brincar comigo. Continuei resmungando e resmungando sem parar, quando dei por mim já não havia mais Diáculo ou espelho, era apenas eu, resmungando. Um monólogo intenso e e interessante. Achava defeitos, bolava teorias, apanhava ideias. Não era um ser tão detestável quanto achava, na verdade era apaixonante e tudo que queria era ficar ali conversando comigo mesmo até que a morte viesse me buscar. E ela veio, chamava-se Narciso, e se alimentava de almas que se alimenatavam delas mesmas assim como ele fez. A admiração é perigosa, a auto-admiração, uma falta de respeito. No conforto de sua imensa beleza Narciso me disse que ao olhar para aquele lago mesmo depois de saber da história, era sinal de que era cego e louco. Preso em uma cela junto a minhas convicções, fora dela todas as ideias divergentes das minhas em que o no esplendor do meu orgulho, ignorava-as.Segundo o que Diáculo me contou já estava ajoelhado ali quase mergulhando no Lago, até que um momento parei de me encurvar. Foi neste momento em que perguntei a Narciso, se aquela realidade toda, as pessoas, Diáculo, o lago, nada mais era do que uma extensão de seu ego? Não me respondeu, quando percebi ele estava ali paralisado olhando para o meu relógio de prata. Comecei a gargalhar e entendi. Desde que caíste no lago amando a sí mesmo, nunca mais havia visto seu reflexo. Mas que burro, tirei meu relógio joguei ali no chão vendo ele se contorcer para se olhar no pequeno pedaço de prata. Não sabia como saí dali, apenas lembrei do quão feio eu era e foi assim num piscar de olhos, estava de novo com meu desafiante Diáculo.
Impressionado ele me disse, venceu Narciso, ninguém nunca o fez. Era um completo paspalho, Narciso, Diáculo e toda aquela realidade. O que ninguém sabia era que na verdade não éramos nós que nos apaixonamos pelo nosso reflexo na água e sim a água que se apaixona pelo seu reflexo em nossos olhos, tão linda que és se esqueceu que o olho de vampiro é tão vazio quanto seu coração. Não viu a ela mesma, e vi a mim mesmo, ambos saímos com a consciência que eu era tão detestável com imaginei ser no início de minha viagem.

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