
Canso de ver notícias de maus tratos, abusos e crimes dos mais perversos possíveis, mas existe uma barreira grande entre mim e eles chamada televisão. Essa TV nos dá um aperitivo do que existe além dos muros da nossa ilha da fantasia. O grande perigo é ultrapassar a barreira da ilha, confrontar a realidade, vê-la nua e crua.
Como um porco se alimentando de aves é a realidade, as vezes parece inacreditável, tão paradoxo quanto real, a realidade é inacreditavelmente a tradução da verdade em sua mais pura forma. Viver sob o solo da mentira é confortável e sobretudo reconfortante, desde que tenha um diálogo verdadeiro com a mentira. Contradição? Deixe de falso moralismo, apenas negócios, bom para o investidor, melhor para o investido.
A visita à Casa do Vovô na 603 sul é o que me motiva sobre a produção do texto. A visita me fez ver situações que acredito ser no mínimo desagradáveis. Não pelos moradores de lá, mas sim pelas condições em que alguns se encontram. Que fique bem claro que não me refiro a condição do local, que por sinal é excelente, no entanto nem essa excelência pode remediar a condição irreversível de alguns que lá estão nem a mácula que a maldita realidade me deixou. Pelos estreitos corredores da ala cinco via como a vida pode ser cruel, volta e meia esbarrava em esperanças caídas ali ao lado de uma maca de uma velha senhora que já não podia falar. Tropeçava sem parar em pequenas pedrinhas de alzheimer, que ao invés de me fazer esquecer, tinha o efeito inverso me colocando no papel de um gênio da memória fotográfica, não de números tão pouco de palavras, mas de faces, faces marcadas pela inconsciência literal daquilo que um dia fora chamado por eles, assim como por mim, de Realidade.